sexta-feira, 13 de junho de 2008

Café Russo: sem rumo II

Eu avisei que este conto não teria fim! É que a vida continua, embora bandoleiro. E apesar desta roleta russa de amores e desamores meu coração cigano não se ressente. E mesmo que, ao me olhar no espelho eu veja gotículas salinas que deságuam por ninguém, não há sinal de amor por trás dessas lágrimas, não há alma neste corpo, apenas café para dar ânimo.

Resolvi arremessar tudo pro alto, apostar que o ser humano é capaz de voar! Preparei minha mala. Estou decidida, vou abandonar tudo, ficarei apenas com meu caráter. Não, não é uma solução, mas eu não estou em busca de uma. Acendi um cigarro e sentei-me naquela mesma mesa branca onde tudo começou naquela manhã cheia de possibilidades e que acabou por tornar-se eterno retorno. E minha cachorrinha Dudi continuava me espiando e vigiando cada passo meu com aqueles olhos albinos.

Nada de novo, nada mudou de lá pra cá. Ah sim! como poderia me esquecer! troquei o fogão de lugar com a mesa. Hábito terrível que adquiri com minha mãe, sempre mudando os móveis de lugar, os mesmos velhos e encanecidos móveis, mas que me renderam bastante ocupação nas noites de insônia, e bastante insônia ao vizinho.

Decidi largar a terapia de insônia à base de maracujá e camomila (depois de um tempo essas coisas não fazem mais efeito) e fui preparar um café na cafeteira italiana. Só o aroma daquela água fazendo amor com aquele pó marrom se entrecruzando e fundindo bastavam para me embriagar e me remetia a dias passados quando consegui este pó na casa de um velho amigo e em seu próprio quintal torramos e moemos os grãos do mais saboroso arábica. E aquela fumaça tão carregada de nostalgia me fazia fechar os olhos por alguns segundos, e por alguns segundos eu pude acreditar que tudo é possível.

Quando levantei as pálpebras pude ouvir minha cachorra falando “sua idiota”, sacudi o rosto “Calma Catharina, deve ser algum devaneio ocasionado pelas noites sem dormir sem dormir.” Mas as palavras de Dudi ainda ecoavam em meu estômago.

O café estava pronto, coloquei-o na xícara e como sempre derramei um pouco na toalha, decidi assassinar essa maldita consciência em meu estômago com um banho de café quente. O alívio foi imediato. Dei mais um trago no segundo cigarro cuja cinza se estendia por todo seu comprimento, e lembrei de também assassina-la no cinzeiro antes de provocar algum incêndio. Olhei para a janela e naquele estreito pedaço de céu espremido entre o concreto meus olhos procuravam voar e minha perna inquietava-se por debaixo da mesa.

Aquela espera me deixava angustiada. Não tinha certeza se deveria esperar Pedro chegar para avisá-lo que eu estava de partida, ou se simplesmente deveria deixar um bilhete, ou talvez desaparecer sem deixar notícias. E apesar dos extremos de minha vida, desta vez optei pelo meio termo e escrevi um bilhete. “Pedro, vou embora meu bem, o mundo é muito maior que estas paredes que nos cercam. A janta está no forno. Beijos. Catharina.”

Dei meu último trago no cigarro e o apaguei no cinzeiro que eu e Pedro compramos no dia em que resolvemos que moraríamos juntos em sua casa. Ele tinha o péssimo hábito de não fumar e não queria que eu comprasse o cinzeiro, ainda mais naquele preço, talvez porque em algum devaneio em queria acreditar que eu pararia, mas por fim eu o convenci de me dar aquele cinzeiro de presente, ele sempre soube que eu o manipulava, mas fazia pouco caso em me contradizer. Dei meu último trago naquela xícara de café, aquela xícara estúpida que já se encontrava ali antes mesmo de eu chegar, eu não teria o péssimo gosto de comprá-la.

Levantei impulsionada pela cafeína. Minha consciência ainda me olhava com aquele focinho albino. Peguei a mala e ao fechar a porta dei de cara com Pedro. Estou indo embora Pedro, e é para sempre. Mas pra onde você vai? Para fora da possibilidade. Como assim? Reencontrei um antigo namorado, Paulo Roberto, e nós vamos fugir. Para onde? Se eu dissesse não seria uma fuga, mas agora vamos, deixe de novelas mexicanas. Adeus.

Nenhum comentário: