quarta-feira, 15 de outubro de 2008

E agora, José?

A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?

E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Como encarar a morte?


O Triunfo da Morte - Peter Brueghel

Uma pessoa que conhecia partiu, deixou seu corpo, mas a lembranças estarão em mim. E apesar da morte ser minha única certeza, por mais sabido, a ignoramos e ela vêm e novamente me passa uma rasteira.

Como encarar a morte.

Carlos Drummond de Andrade

De longe

Quatro bem-te-vis levam nos bicoso batel de ouro e lápis-lazúli, e pousando-o sobre uma acácia cantam o canto costumeiro. O barco lá fica banhado de brisa aveludada, açúcar, e os bem-te-vis, já esquecidos de perpassar, dormem no espaço.

À meia distância

Claridade infusa na sombra, treva implícita na claridade?Quem ousa dizer o que viu, se não viu a não ser em sonho?Mas insones tornamos a vê-lo e um vago arrepio vara a mais íntima pele do homem. A superfície jaz tranquila.

De lado

Sente-se já, não a figura, passos na areia, pés incertos, avançando e deixando verum certo cógifo de sandálias. Salvo rosto ou contorno explícito, como saber que nos procura o viajante sem identidade?Algum ponto em nós se recusa.

De dentro

Agora não se esconde mais. Apresenta-se, corpo inteiro, se merece nome de corpo o gás de um estado indefinível. Seu interior mostra-se aberto. Promete riquezas, prêmios,mas eis que falta curiosidade, e todo ferrão de desejo.

Sem vista

Singular, sentir não sentindo ou sentimento inexpresso de si mesmo, em vaso coberto de resina e lótus e sons. Nem viajar nem estar quedo em lugar algum do mundo, só o não saber que afinal se sabe e, mais sabido, mais se ignora.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O mundo das crises: uma análise miscelânea Camilana

Recentemente li uma pesquisa no DATA-FOLHA traçando o perfil da juventude hoje. Um artigo em especial, de um psicanalista chamado Contardo Calligaris, me chamou a atenção: A adolescência acabou? Sem nostalgias baratas, conservadoras e burras, não é esta intenção deste texto.
Nasci em 1984, e penso que se eu pudesse traçar uma marco na história do Brasil escolheria este ano. 1984 foi o ano-marco para a redemocratização do país, ano que marca a transição da ditadura para a democracia, ano de luta (?), ano em que ocorreu as Diretas Já, ano do livro de George Orwell (rs), muito atual naquela época e hoje (quem não leu vale a pena, é um clássico).
Ano de luta? Pois bem. Nasci em meio a esse furduncio e todo rearranjo da organização do sistema político, social, econômico, cultural, etc. e tal do país. Uma nostalgia de luta e um sistema voltado para o conhecimento matemático me acompanharam durante toda minha estadia no sistema educacional. De um lado alguns professores de história relembrando as lutas e conquistas dos movimentos que pediam a democratização do país e dizendo que os jovens, no caso nós, éramos o futuro do Brasil (quanta responsabilidade, hein?). E de outro lado, cinco aulas de matemática por semana, além de física e química e apenas três de história e três de geografia que se dividia em geo-física e geo-política. Enfim, de acordo com essa estruturação do sistema educacional, pra mim, me parece claro que a educação básica não estava voltada para o aluno pensar e refletir sobre sua realidade.
Mas essa angústia em meu peito, de uma história de luta e conquistas dos movimentos sociais me fascinavam, talvez por isso tenha escolhido fazer o curso de ciências sociais. Lembro-me bem de um professor de química, que vez o outra encontro nos corredores da UFES, fazer um questionamento em sala de aula sobre porquê o mapa do mundo se posicionava daquela maneira se de acordo com o espaço não há referencial que indique que o norte é para cima e o sul para baixo. Aquilo ficou encafifado na minha cabeça por um bom tempo, tanto que comento aqui.
Mas como em tudo na vida existem porém’s. Tudo bem, ficamos sabendo que Betinho Souza, Henfil, Darcy Ribeiro, Zuzu Angel e os tropicalistas Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, lutaram pelo direito da democracia e o direito de vender seus livros e discos e enterrar seus filhos. Mas a minha mãe e o meu pai não sabem de nada disso, assim como a mãe e pai de muitos amigos, e a minha avó nem sabe o que é ditadura.
Outro porém, acreditava-se que a democracia resolveria os problemas do Brasil, andava-se com um livro de Marx em baixo do braço e se diziam socialistas ou comunistas sem nunca terem lido uma página sequer do O Capital, e os que liam transformavam idéias grande em medíocres por serem pequenos, afinal era bonito ser socialista naquela época.
O mundo se mostrou mais complexo do que o direito de se vender livros e discos, ficou mais complexo entender em que realmente consiste a democracia, a realidade se mostrou mais complexa em relação as desigualdades sociais (afinal é só uma questão social? e o psicológico? e a história? e a política?)
De repente todos exigiam seu lugar ao sol, exigiam seus direitos, negos, brancos, pardos, indígenas, orientais, homossexuais, gays, lésbicas, transexuais, travestis, bi’s, hetros, os evangélicos, da quadrangular, universal, maranata, os candomblés, umbandistas, macumbeiros, cardecistas, católicos, ateus, os emos, punks, sertanejos, rockeiros, as putas e as carolas, os nordestinos, sulistas, e eu. E o direito de ser de direita, porque não? Um aluno me perguntou em sala de aula se uma pessoa não teria direito de ser racista desde que não fizesse mal a ninguém (essa doeu pra responder, afinal o menino tinha uma dose de razão).
Enfim, democracia hoje é um pouco isso, os religiosos se candidatando a cargos políticos em favor da moral e valores cristãos, os neo-nazistas se reunindo e defendendo a supremacia branca, pessoas defendendo a não legalização do aborto enquanto mulheres morrem ou fazem abortos de risco em clinicas fajutas ou com remédios em casa mesmo, ou se possuem dinheiro pagam absurdos. Democracia é um pouco ter direito de colocar silicone, botox, fazer plástica, ser loira ou morena. Mas e o coletivo, onde é que fica mesmo?
Enfim, mas e a juventude? Segundo o artigo de Calligaris, a rebeldia, que por tempos foi associada à juventude, não existe mais (ou talvez nunca tenha existido), o jovem hoje quer saber de trabalho, saúde e família, um emprego em que ele possa ter a próprio casa, sustentar sua família e todo ideal burguês, e um carro com som (aparentemente para poder ficar ouvindo música enquanto o mundo pára por conta do engarrafamento, [nota da autora]). Mas e o coletivo, onde fica mesmo?
Não, não tenho nostalgias, as gerações anteriores também cometeram suas falhas, e as de hoje pensam no próprio umbigo. E eu penso que o maior vitorioso nessa história é o capitalismo. Afinal ser rebelde hoje é andar de all star de 60 reais, camiseta de Che Guevara de 120 reais, óculos estilo Raul Seixas de 400 reais, e um carrinho velho de 16 mil, mas afinal, a liberdade não tem preço, use master card e parcele tudo em cinco vezes.
E eu aqui não posso nem desejar que os Estados Unidos da América se foda porque a gente acaba se ferrando junto. Ainda tenho que engolir que o mundo todo se mobilizando em favor de um país que promove guerras, mata seu próprio presidente e Martin Luter King, subjuga os pais mais fracos economicamente em favor da democracia capitalista para que todos possam ter o direito de comparar all star e comer um hambúrguer do Mac Donald, um merda de país que tem que ser engolido goela abaixo com um presidente terrorista que me provoca náusea.
Mas quer saber, uma parte de mim quer que o mundo entre em colapso mesmo, para que pelo menos possamos repensar toda a estrutura e forma de organização mundial. Vivemos e ainda louvamos instituições falidas como se fossem verdades absolutas ou única forma de conceber e organizar o mundo. Infelizmente a história já mostrou que só nos momentos de crise repensamos e refletimos nossos valores e instituições como família, escola, política. Meu único medo é que os evangélicos dominem o mundo.