quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Drama de Herculine

Herculine Babin, um hermafrodita do século XIX que vive como menina num convento até um dia, aos 20 anos, confessa a padres e, posteriormente, a médicos que seus desejos e práticas eróticas se dirigem às meninas.

A partir desses momentos é obrigado a assumir legalmente o sexo masculino, a vestir-se como homem e a se afastar das meninas com quem vivia, inclusive sua amante. Butler afirma que Herculine sofre com a injunção de ter de pertencer a um dos dois sexos e deposita em seu corpo a causa do sofrimento.

Um corpo anômalo, razão de seus desejos e aflições, que provoca confusões de gênero e estimula prazeres transgressivos. Mas Butler discorda de Herculine. A causa do sofrimento não estaria no corpo, mas sim nas cobranças médicas, religiosas, jurídica e social de um gênero inteligível.

Herculine não poderia ser mulher ou homem “por inteiro” como idealizava seus interlocutores da época. Então, não lhe restava o que ser, pois lhe permitiam existir somente como desviante ou doente. Nas seqüências dos acontecimentos, Herculine se suicida.
Judith Butler.

sábado, 21 de junho de 2008

Ode – Um Corpo de Vinho


“É a noite, são as ondas deste mar e os roucos sussurros de Janis cantando Summertime”, me dizia ela, mas eu precisava lhe dizer que não, querida, é mais que isso que traz para nós esse poder mágico. Somos tão diferentes, entretanto somos cúmplices desta noite consagrada. Somos nós que trazemos para as ondas que quebram na areia fina desta praia este brilho sedutor, são nossas vozes combinadas que fazem essa melodia ser tão agradável, é o que compartilhamos que nos tornaram eternas na madrugada passada, não foi a música nem o frio que fizeram daquele carro o melhor lugar para se estar naquele instante. Não foi o doce prazer do paladar que nos satisfez, mas todas em volta da mesa, na maior das liberdades atingidas, a de nos desfrutar, uma da presença da outra, estávamos vivendo queridas, estávamos exercendo o milagre de existir. É a beleza de cada peculiaridade combinada com a condição que compartilhamos, e não tente, doce menina, medir qual de nós aguçamos mais essa condição, ser mulher nunca vai ser miscível, mesmo porque como disse a outra gota deste vinho, essa condição não possui parâmetro. Nós soubemos viver amores, somos o corpo de um fino vinho, nós nos vivemos nesta noite entorpecedora. Não vivemos o paladar nem a audição nem a visão, vivemos algo muito mais sublime, vivemos nesta noite nossa condição de mulher, compartilhada num êxtase que nunca mais viverão em outro lugar se não naquele tempo e espaço da noite passada.
Texto de Natali Braga





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segunda-feira, 16 de junho de 2008

A Ética do Assalto

Tudo bem. Este título é totalmente sem lógica e sem sentido. Assalto é assalto, ética é ética. Mas não foi bem assim que Joana achou, pois havia lido a poucos dias uma definição sobre ética que dizia: conjunto de regras que orientam a conduta em uma atividade profissional.

Ao chegar ao ponto de ônibus, ansiosa em saber se o coletivo que contava já havia passado ou não, um rapaz se aproxima e diz:

- Fique quieta e passa o celular. Eu só quero seu celular!

Como muito bem havia aprendido com as recomendações de especialistas em segurança, ela não reagiu. Pegou prontamente o celular na bolsa e entregou ao rapaz e se dirigiu ao sinal para poder atravessar a rua e sair daquela situação desagradável. Entretanto o rapaz se aproximou um pouco mais enquanto ela caminhava e disse:

- Agora passa o dinheiro. Se gritar eu taco este celular na sua cabeça!

Joana não pensou duas vezes e resmungou que não. Como poderia o homem quebrar o acordo feito há segundos atrás, de só levar o celular? Joana não discutiu com o homem nem muito menos se mostrou provocativa. Apenas seguiu andando enquanto ele se aproximava de outras duas mulheres. Atravessou a rua e se dirigiu até sua casa. Escolheu dar as costas ao rapaz, e este resolveu não tacar o celular em canto algum, afinal, o objetivo inicial de sua missão era sair com um celular de lucro sem gritos e conflitos e não com um celular quebrado e uma cabeça ferida. Que bom para Joana que o objetivo do rapaz era este, afinal, o acordo só existia na cabeça dela!

PS: me desculpem a invasão da segunda, mas é pq eu precisava desabafar!!!rsrsrs

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Meu Segredo

Precisei tomar muitas doses de coragem para vir escrever isto. Ainda assim acredito que não tenha sido suficiente, então respirei fundo e escrevo isto de um fôlego só. Há um segredo meu que preciso compartilhar, e irei dizer agora. Contar um segredo não é algo tão simples, então corro o risco de parecer banal ou óbvio. Mas quem conseguir ver, e não apenas olhar, irá compreender. Porque tomei esta decisão? Ainda não sei ao certo. Pulsações traiçoeiras me trouxeram até aqui. Mas o que é este segredo então? Antes, devo dizer o que entendo como segredo: Algo que, mais do que não dito aos outros, dificilmente é reconhecido por si próprio. Não deve ser algo pernicioso ou cruel, aquilo que se teme contar pelas possíveis represálias, um fato que você esconde impelido pelo morcego da consciência; isto seria um pecado e não um segredo. Um segredo, para que seja um mistério, é algo que você não consegue exprimir e só agora entendi isto. É algo tão profundo e tão disforme que não existe senão na parte mais tenra do coração, e que quando você tenta dizer, ou pintar ou escrever, a boca seca, os pincéis falham e a mão paralisa; só sendo inexprimível isto pode ser um segredo, que também é mistério. Dele você não tem vergonha, ou medo, a não ser que seja a vergonha ou medo do desconhecido. Então, vou contar meu segredo, e que a chuva me proteja depois disso, e que vocês me perdoem por tê-lo guardado, e me entendam pois só por isso ele era um segredo. Foi agora que conheci alguém que me contou esse segredo sobre mim, é que existem no mundo feiticeiros que entram em nossos corações e daí nada permanece sem forma por muito tempo. Uma dessas mulheres me contou meu segredo, e agora conto a vocês, pois, agora que ela deu uma forma a isto, posso exprimi-lo, e assim não é mais segredo, mas continua mistério. E por não ser mais segredo, nem para mim, quero dividi-lo, e é assim: “Agora sei: Sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver”.

Café Russo: sem rumo II

Eu avisei que este conto não teria fim! É que a vida continua, embora bandoleiro. E apesar desta roleta russa de amores e desamores meu coração cigano não se ressente. E mesmo que, ao me olhar no espelho eu veja gotículas salinas que deságuam por ninguém, não há sinal de amor por trás dessas lágrimas, não há alma neste corpo, apenas café para dar ânimo.

Resolvi arremessar tudo pro alto, apostar que o ser humano é capaz de voar! Preparei minha mala. Estou decidida, vou abandonar tudo, ficarei apenas com meu caráter. Não, não é uma solução, mas eu não estou em busca de uma. Acendi um cigarro e sentei-me naquela mesma mesa branca onde tudo começou naquela manhã cheia de possibilidades e que acabou por tornar-se eterno retorno. E minha cachorrinha Dudi continuava me espiando e vigiando cada passo meu com aqueles olhos albinos.

Nada de novo, nada mudou de lá pra cá. Ah sim! como poderia me esquecer! troquei o fogão de lugar com a mesa. Hábito terrível que adquiri com minha mãe, sempre mudando os móveis de lugar, os mesmos velhos e encanecidos móveis, mas que me renderam bastante ocupação nas noites de insônia, e bastante insônia ao vizinho.

Decidi largar a terapia de insônia à base de maracujá e camomila (depois de um tempo essas coisas não fazem mais efeito) e fui preparar um café na cafeteira italiana. Só o aroma daquela água fazendo amor com aquele pó marrom se entrecruzando e fundindo bastavam para me embriagar e me remetia a dias passados quando consegui este pó na casa de um velho amigo e em seu próprio quintal torramos e moemos os grãos do mais saboroso arábica. E aquela fumaça tão carregada de nostalgia me fazia fechar os olhos por alguns segundos, e por alguns segundos eu pude acreditar que tudo é possível.

Quando levantei as pálpebras pude ouvir minha cachorra falando “sua idiota”, sacudi o rosto “Calma Catharina, deve ser algum devaneio ocasionado pelas noites sem dormir sem dormir.” Mas as palavras de Dudi ainda ecoavam em meu estômago.

O café estava pronto, coloquei-o na xícara e como sempre derramei um pouco na toalha, decidi assassinar essa maldita consciência em meu estômago com um banho de café quente. O alívio foi imediato. Dei mais um trago no segundo cigarro cuja cinza se estendia por todo seu comprimento, e lembrei de também assassina-la no cinzeiro antes de provocar algum incêndio. Olhei para a janela e naquele estreito pedaço de céu espremido entre o concreto meus olhos procuravam voar e minha perna inquietava-se por debaixo da mesa.

Aquela espera me deixava angustiada. Não tinha certeza se deveria esperar Pedro chegar para avisá-lo que eu estava de partida, ou se simplesmente deveria deixar um bilhete, ou talvez desaparecer sem deixar notícias. E apesar dos extremos de minha vida, desta vez optei pelo meio termo e escrevi um bilhete. “Pedro, vou embora meu bem, o mundo é muito maior que estas paredes que nos cercam. A janta está no forno. Beijos. Catharina.”

Dei meu último trago no cigarro e o apaguei no cinzeiro que eu e Pedro compramos no dia em que resolvemos que moraríamos juntos em sua casa. Ele tinha o péssimo hábito de não fumar e não queria que eu comprasse o cinzeiro, ainda mais naquele preço, talvez porque em algum devaneio em queria acreditar que eu pararia, mas por fim eu o convenci de me dar aquele cinzeiro de presente, ele sempre soube que eu o manipulava, mas fazia pouco caso em me contradizer. Dei meu último trago naquela xícara de café, aquela xícara estúpida que já se encontrava ali antes mesmo de eu chegar, eu não teria o péssimo gosto de comprá-la.

Levantei impulsionada pela cafeína. Minha consciência ainda me olhava com aquele focinho albino. Peguei a mala e ao fechar a porta dei de cara com Pedro. Estou indo embora Pedro, e é para sempre. Mas pra onde você vai? Para fora da possibilidade. Como assim? Reencontrei um antigo namorado, Paulo Roberto, e nós vamos fugir. Para onde? Se eu dissesse não seria uma fuga, mas agora vamos, deixe de novelas mexicanas. Adeus.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Liberalização X Restrição. Qual é a verdadeira questão?

O debate entre segurança pública, tráfico e usuário de droga vem tomando espaço nas posições da imprensa. De um lado, existe um público que é a favor da manutenção de leis que proíbem o consumo e o outro público que defende a legalização do uso.

Após a desclassificação da seleção do Botafogo, fui sacear minhas amarguras lendo a matéria publicada sobre o livro McMáfia. O crime sem fronteiras. De acordo com o livro, o crime organizado que engloba a produção e o consumo de tráfico de armas e drogas representação 20% da economia mundial segundo o FMI. Esses 20 % representa entre 17% a 25% do PIB mundial.

Isto me chamou a atenção para entender a escala mundial do tráfico de drogas, que tem como matriz desde o contrabando de armas do EUA para Colômbia, ao cultivo de maconha no Canadá até o centro de produção de Ectasy em Israel e o cultivo de heroína na Afeganistão.

O deixa fazer do clássico Iluminismo, significa que a produção ilegal é a principal atividade econômica de oligarquias legais que expandem o seu desenvolvimento no mercado financeiro. Fica claro entender que a criminologia sensacionalista tenta vende o round entre proibição X legalização, mas todos esses cenários fixam suas análises sobre a esfera micro do efeito social, nunca foi sobre a lógica do usuário ou do traficante local que se fomentou a endemia do crime.

As livres circulações de capitais sempre foram regulamentadas por órgão institucionais como OMS, Banco Mundial, ONU e outros, que autorizam e reconhecem a existência de famosos oligopólios como Tríade, Yakuza, Mercedes Bens e vários outros.

Em suma, o caminho da segurança pública é pautado pelo combate sem tréguas às drogas, mas com total permissividade a toda atividade empresarial e financeira. É sobre o Estado que se esteia a bandeira de combate ao tráfico, porém, é este mesmo Estado que regulamenta a liberalização econômica das atividades do crime.

Vejo que o maior obstáculo para a segurança pública não a questão da venda legalizada de drogas, pois o aumento de dependente químico precisa ser compreendido com uma questão de saúde pública também. O maior obstáculo que considero talvez esteja na capacidade de regular um mercado que é Liberal. Que legaliza o enriquecimento de grupos que extrai seu afortunamento através de atividade subumanas como a exploração sexual, como o tráfico de órgão, como o extermínio sumário ao dependente químico.

Encerro esta idéia com a seguinte constatação. O capitalismo do crime continuará triunfando sobre nós. E o resultado disto é demonstrado nas fotos das pessoas assassinadas a cada dia. O Laissez Faire que triunfou com escravagismo, agora reinscreve a casa grande e a senzala na contemporaneidade.