quinta-feira, 24 de abril de 2008

O Frio e seus Encantos

Viver é diluir-se, Leila sabia muito bem disso. Sabia que é preciso se dissolver no inesperado, ela sabia que só no desconhecido poderia encontrar, surpreendida, o que deseja. Ela que não sabe o que deseja, só por aquilo que não anseia corre o risco de se encontrar. Ela é como alguém que na procura de vida só procura pessoas. Seus prazeres são compartilhados, sua felicidade só pode ser se for com mais alguém.

Depois de seu rituoso preparo, olhou-se no espelho e deixou-se seduzir por completo pelo frio e saiu de sua aquecida casa com o tom mais vivo de vermelho que possuía nos lábios. Caminhando cambaleante no salto - já havia esquecido como era caminhar em cima daqueles finos saltos - ela foi ao encontro do rapaz que lhe chamara para beber vinho. Conhecera-lhe poucos dias antes e não entendia direito ainda se estava saindo de casa pelo convite do rapaz ou pela sedenta vontade de sentar-se ao sereno da noite na calçada de um bar, sonhando estar em uma calçada de Paris. As calçadas sim eram algo que seguramente lhe agradavam.

O ônibus em que Leila estava parou para recolher passageiros no ponto que se localizava em frente a uma loja de acessórios. Leila prestou atenção para a ostensiva tela que ficava no lugar de maior destaque da loja. Era a imagem de uma mulher pintada e adornada com pomposos acessórios, idênticos aos que estavam expostos na vitrine, que cobria uma parede inteira. Olhando para a pintura Leila reparou que no fundo da loja, sentada atrás de uma solitária mesa, estava a mesma mulher, tão menor que a da pintura pendurada na parede de destaque, com um altivo e ao mesmo tempo perdido olhar. Dispôs-se então, como que para passar o tempo, a tentar entender o que uma mulher que expõe tão soberbamente sua própria pintura estaria sentindo. Seria a amargura que ao brotar em seu intimo a estava envelhecendo? O destino era personagem constante na mente de Leila, ela não cansava de pensar e imaginar como a sucessão dos fatos pode ser surpreendente. Imaginar os pensamentos das pessoas lhe fazia bem, assim ela vivia.

(continua...)

2 comentários:

Unknown disse...

Ansiosa pela continuação!

Cami Silveira disse...

eu também!